Casas e ruas destruídas, famílias forçadas a se mudar. Principalmente
nos últimos 50 anos, a costa brasileira foi ocupada de forma intensiva
e, em muitos pontos, a natureza está cobrando de volta o seu espaço.
“Certamente, no Brasil temos mais erosão que progradação”, afirma o
geógrafo Dieter Muehe, professor da UFRJ e organizador de um
levantamento do governo federal sobre os pontos onde o oceano está
avançando sobre a terra, bem como onde as praias estão aumentando de
largura (processo conhecido como progradação).
O litoral tem um dinamismo natural, mas, segundo o professor, a
interferência humana também é importante, em especial as construções que
são feitas na linha costeira.
(Do dia 1º a 9/6, o G1 publica uma série de reportagens abordando os principais temas que serão discutidos Rio+20.)
O deslocamento de contingentes populacionais por causa do avanço do mar
é um dos problemas com que a humanidade deve lidar no futuro, ao lado
de outros desastres, como furacões, enchentes, secas extremas,
terremotos, entre outros.
A conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável, Rio+20, vai
discutir como o ser humano pode se adaptar melhor a esses fenômenos. As
Nações Unidas estimam que 226 milhões de pessoas sejam afetadas por
desastres todos os anos no mundo.
A associação da erosão marinha no Brasil com as mudanças climáticas e
um aumento do nível do mar não fica excluída, mas tampouco está
comprovada, diz Muehe. “Ainda não temos uma estatística que possa dizer
que haja essa relação. Em termos globais, o nível do mar está subindo.
Mas a Terra não é estável. Localmente, não sabemos ainda”, explica.
Pernambuco
Em Pernambuco, a erosão causada pelo mar é um problema verificado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) em quase um terço das praias.
Em Pernambuco, a erosão causada pelo mar é um problema verificado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) em quase um terço das praias.
A dinâmica natural das correntes marítimas e, principalmente, a
intervenção humana na costa, deixaram 24 pontos da orla com menos faixa
de areia e estruturas destruídas pelo avanço do mar. Nos pontos mais
críticos da Região Metropolitana do Recife, o G1 encontrou pessoas que tiveram tudo levado pela força das águas, mas continuam desafiando a natureza.
Ao longo dos anos, e de forma isolada, municípios do litoral
pernambucano colocaram em prática algumas alternativas, como muros de
proteção, diques, quebra-mares e molhes (estruturas que desviam a
corrente marinha). Algumas dessas intervenções, segundo estudiosos,
interferiram de forma negativa.
Maria
de Lurdes Cordeiro viu a força do mar destruir a casa onde viveu com a
família por 30 anos, na orla de Olinda (Foto: Luna Markman / G1)
'Vou morrer aqui'
O português Hélder Silva trocou a vida de empresário da construção civil para ser dono de bar, na Ilha de Itamaracá, no Litoral Norte de Pernambuco. Em visita ao Recife, a trabalho, conheceu a Praia Forno da Cal e se apaixonou. Em 2007, veio trabalhar como ajudante em um restaurante.
Viu mais da metade do estabelecimento ir por água abaixo com o avanço do mar. Mesmo assim, no ano passado, comprou o que restou para trabalhar. "Não me arrependo. Vim em busca de qualidade de vida. Vou agora de férias a Portugal, mas já penso em voltar logo. Vou morrer aqui", diz.
O português Hélder Silva trocou a vida de empresário da construção civil para ser dono de bar, na Ilha de Itamaracá, no Litoral Norte de Pernambuco. Em visita ao Recife, a trabalho, conheceu a Praia Forno da Cal e se apaixonou. Em 2007, veio trabalhar como ajudante em um restaurante.
Viu mais da metade do estabelecimento ir por água abaixo com o avanço do mar. Mesmo assim, no ano passado, comprou o que restou para trabalhar. "Não me arrependo. Vim em busca de qualidade de vida. Vou agora de férias a Portugal, mas já penso em voltar logo. Vou morrer aqui", diz.
(O NETV 1° Edição do dia 12 de maio de 2012 mostrou a situação
do avanço do mar na Praia de Maracaípe, em Ipojuca, Litoral Sul de
Pernambuco. Veja no vídeo ao lado.)
Maria de Lurdes Cordeiro, 52 anos, mora na Praia dos Milagres, em Olinda (PE). Viu aos poucos o mar destruir ruas e residências em volta da casa onde vivia com o marido e o filho há quase três décadas. Até que chegou a sua vez. “A água acabou com tudo que meu marido levantou com o dinheiro suado dele”, lamenta.
Mesmo com a perda, Maria de Lurdes mudou-se para o imóvel ao lado e continua correndo o mesmo risco. Em noite de maré cheia, o medo reacende. “A Prefeitura [de Olinda] me ofereceu só R$ 130 de auxílio moradia para eu me mudar. Mas eu vou para onde com esse dinheiro, para uma favela?”, reclama.
Maria de Lurdes Cordeiro, 52 anos, mora na Praia dos Milagres, em Olinda (PE). Viu aos poucos o mar destruir ruas e residências em volta da casa onde vivia com o marido e o filho há quase três décadas. Até que chegou a sua vez. “A água acabou com tudo que meu marido levantou com o dinheiro suado dele”, lamenta.
Mesmo com a perda, Maria de Lurdes mudou-se para o imóvel ao lado e continua correndo o mesmo risco. Em noite de maré cheia, o medo reacende. “A Prefeitura [de Olinda] me ofereceu só R$ 130 de auxílio moradia para eu me mudar. Mas eu vou para onde com esse dinheiro, para uma favela?”, reclama.
Em Paulista, município vizinho, a situação é semelhante nas praias do
Janga e Pau Amarelo. Há 31 anos, José Carlos Soares tem a praia em
frente ao Forte de Pau Amarelo como local de trabalho. Montou dois
bares. Um deles foi completamente destruído pelo mar, em 1999, o que
obrigou o comerciante a recuar 50 metros para reconstruir o segundo
estabelecimento.
“Foi muito rápido, coisa de três, quatro meses. A gente ia dormir sem saber se o bar iria estar de pé no outro dia”, conta. O Bar do Zito virou, então, Brisa do Mar. “Mesmo tendo ficado meio desgostoso, quis colocar esse nome porque agora sei o que é a natureza”, conta.
“Foi muito rápido, coisa de três, quatro meses. A gente ia dormir sem saber se o bar iria estar de pé no outro dia”, conta. O Bar do Zito virou, então, Brisa do Mar. “Mesmo tendo ficado meio desgostoso, quis colocar esse nome porque agora sei o que é a natureza”, conta.
O
entulho foi a forma encontrada por José Carlos Soares para manter de pé
o bar que tem em Pau Amarelo, Paulista (Foto: Luna Markman / G1)
Soares investiu R$ 500 para colocar entulho onde as ondas se chocam
contra o estabelecimento, na maré cheia, dando um ar ainda mais desolado
ao local. Trechos do calçadão, bancos da orla destruídos e imóveis
desvalorizados formam o saldo atual do avanço do mar no Janga.
A professora Márcia Cordeiro pôs à venda a casa onde vive, na orla, e
percebeu que seu preço despencou. “Corretores dizem que vale até R$ 1
milhão, pelo tamanho do terreno, mas estou negociando por R$ 600 mil.
Quero crer que vai haver alguma obra de contenção por aqui”, comenta.
Obras de contençãoOs primeiros registros de erosão
costeira em Pernambuco são de 1914, quando obras de ampliação do Porto
do Recife afetaram a orla de Olinda.
Posteriormente, os aterros de mangues, verificados na foz do Rio Beberibe (limite dos municípios de Recife e Olinda), contribuíram para acelerar o processo erosivo já instalado na Praia dos Milagres - ela perdeu 80 metros entre 1914 e 1950. A Praia do Farol, que fica próxima, também foi afetada, tanto que o próprio farol teve que ser recolocado em um ponto mais alto da cidade.
As primeiras obras de contenção em Olinda ocorreram em 1950. Essas intervenções mexeram com a dinâmica sedimentar na orla, provocando erosão na vizinha Paulista. Como forma de contenção, criou-se um sistema de quebra-mares associados a espigões, que foram posteriormente ampliados.
Com o crescimento da cidade do Recife, o documento do Ministério mostra que o sul de Boa Viagem, Candeias e Piedade, que se encontravam estáveis, passaram a apresentar problemas de erosão decorrentes da urbanização desordenada, com a ocupação da área pós-praia. Em 1990, começaram obras emergenciais de engenharia para proteção dos imóveis, quase sempre sem um estudos técnicos adequados.
Posteriormente, os aterros de mangues, verificados na foz do Rio Beberibe (limite dos municípios de Recife e Olinda), contribuíram para acelerar o processo erosivo já instalado na Praia dos Milagres - ela perdeu 80 metros entre 1914 e 1950. A Praia do Farol, que fica próxima, também foi afetada, tanto que o próprio farol teve que ser recolocado em um ponto mais alto da cidade.
As primeiras obras de contenção em Olinda ocorreram em 1950. Essas intervenções mexeram com a dinâmica sedimentar na orla, provocando erosão na vizinha Paulista. Como forma de contenção, criou-se um sistema de quebra-mares associados a espigões, que foram posteriormente ampliados.
Com o crescimento da cidade do Recife, o documento do Ministério mostra que o sul de Boa Viagem, Candeias e Piedade, que se encontravam estáveis, passaram a apresentar problemas de erosão decorrentes da urbanização desordenada, com a ocupação da área pós-praia. Em 1990, começaram obras emergenciais de engenharia para proteção dos imóveis, quase sempre sem um estudos técnicos adequados.
Aglomeração
Atualmente, há 900 habitantes por quilômetro quadrado vivendo no litoral pernambucano, uma das maiores aglomerações do Brasil. Ele é praticamente todo ocupado por obras públicas de contenção, como os 38 diques de Olinda e os 2,6 quilômetros de enrocamento [paredões] em Boa Viagem, no Recife.
"A erosão costeira é uma reação da natureza à urbanização. A onda precisa de espaço para dissipar a sua energia sem perturbar a praia. Se ela não tem esse espaço, vai levando areia consigo. Algumas obras de contenção pioraram o processo erosivo, como os quebra-mares de Paulista e Olinda, pois foram executados de forma errada. Já os muros em Boa Viagem ajudam a proteger o calçadão. Hoje, quase toda a costa apresenta processos erosivos, varia apenas na itensidade", explica o professor Valdir do Amaral Vaz Manso, da UFPE, que participou do levantamento organizado por Muehe, o Macrodiagnóstico da Zona Costeira e Marinha do Brasil.
Atualmente, há 900 habitantes por quilômetro quadrado vivendo no litoral pernambucano, uma das maiores aglomerações do Brasil. Ele é praticamente todo ocupado por obras públicas de contenção, como os 38 diques de Olinda e os 2,6 quilômetros de enrocamento [paredões] em Boa Viagem, no Recife.
"A erosão costeira é uma reação da natureza à urbanização. A onda precisa de espaço para dissipar a sua energia sem perturbar a praia. Se ela não tem esse espaço, vai levando areia consigo. Algumas obras de contenção pioraram o processo erosivo, como os quebra-mares de Paulista e Olinda, pois foram executados de forma errada. Já os muros em Boa Viagem ajudam a proteger o calçadão. Hoje, quase toda a costa apresenta processos erosivos, varia apenas na itensidade", explica o professor Valdir do Amaral Vaz Manso, da UFPE, que participou do levantamento organizado por Muehe, o Macrodiagnóstico da Zona Costeira e Marinha do Brasil.
Plano de emergênciaEm 2011, a Prefeitura de
Paulista decretou situação de emergência por erosão marinha, reconhecida
em abril deste ano pela Secretaria Nacional de Defesa Civil. Com o
decreto, o município conseguiu um convênio de R$ 14,5 milhões junto ao
Ministério da Integração para construção de um muro de contenção de 200
metros na faixa de areia e recuperação da malha viária e do calçadão.
Ministério
da Integração liberou R$ 14,5 milhões para revitalização de parte do
calçadão de Paulista, muro de 200m na faixa de areia e recuperação da
malha viária (Foto: Luna Markman / G1)
Atualmente, a Prefeitura de Olinda está revitalizando a orla do município. Em nota enviada ao G1,
o governo municipal informou que o trabalho para a contenção do avanço
do mar em toda a faixa litorânea foi feito por meio da colocação de
enrocamentos de pedra e recomposição dos espigões (espécie de dique).
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